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Casa como manifesto político

  • Foto do escritor: Suellen CS
    Suellen CS
  • 2 de jul.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 4 de jul.

Toda escolha é politica. Não lembro quando ouvi essa frase pela primeira vez mas ela ecoa na minha cabeça desde então. Por vezes me direcionando para o que acho que deveria fazer, mas na maioria das vezes me mostrando como falho miseravelmente no que almejo.


No fim de 2019, eu estava em focada na ideia de reciclagem, gerar menos lixo em casa, compostar. Tinha três sacolas enormes de garrafas PET, sacos plásticos e embalagens diversas pra levar a um centro de reciclagem que descobri na cidade vizinha, quando passasse por lá.


Até que, já em 2020, entregamos tudo pra coleta comum — enquanto eu gostaria mesmo era de ter mandado embora o turbilhão pelo qual o mundo passava.


Até hoje não fiz mais nada nesse sentido, e isso me incomoda. Percebo que três coisas me atrapalham nesse propósito inicial, ainda distante da minha realidade: – Estabelecer uma rotina e um consumo que gere menos resíduo. – Ter um local em casa pra separar e armazenar cada item. – Ser atendida por uma coleta seletiva municipal — ou ao menos ter um ponto de entrega no meu município.


Como levar tudo pra outra cidade se mostrou inviável, passamos a focar no que estava ao nosso alcance: reduzir o lixo que produzimos. Vou ao mercado com sacolas reutilizáveis e até uma que é térmica. Cerca de 90% da alimentação é comida de verdade, evito plástico descartável, junto frutas e legumes na cesta de compras e peso no caixa sem sacola pra só então guardar na minha sacola reutilizável. Composto resto de frutas e vegetais no quintal. Reúso o que posso desde que tenha necessidade e sem feiura. E fim. Acho pouco. Mas é o que consigo fazer. Mais do que vergonha por não ir além, o que sinto é a ingenuidade de ter acreditado que daria certo com uma base tão ruim. Hunf, humana.


Eu tenho alguns planos: ligar para os centros de reciclagem próximos, confirmar o que reciclam e se há possibilidade de buscarem algo – vai que é caminho, doaria sem interesse financeiro. Já faço isso em relação ao ferro velho quando tenho algo de metal sem uso. Sei de farmácias e lojas que aceitam algumas embalagens plásticas vazias, mas e quanto ao que não aceitam? Assim, outro plano é buscar com os vereadores da cidade sobre a possibilidade de criar algo que ajude com isso, coleta seletiva seria maravilhoso e acontece em menos de 20% das cidades pequenas. E aceitar o que não posso mudar em mim ou na cidade, por hora, sem sofrer nem perder a esperança.


Talvez esse incômodo venha de antes. De como cresci me sentindo conectada à natureza e aos animais. Cheia de plantas em casa, vendo o tempo da natureza dar seus frutos.


Vendo o dia passar enquanto lia, desenhava, brincava de fada nos arbustos ou costurava uma roupa nova pra minha boneca a partir de algum retalho. A gente cresce e fica meio cego, apressado e para de olhar a nossa volta com os olhos de antes. Se deixa levar pelas obrigações e esquece com o que se importa.


Não vá pra lá e pra cá como um cardume de peixes só porque é o que os seus amigos fazem ou porque é o que as outras pessoas dizem que você deveria fazer. Defenda suas convicções. Subverta os paradigmas e passe a estabelecer tendências. Haemin Sunim – as coisas que você só vê quando desacelera

Essas palavras ecoam em mim, porque o que estou aprendendo é que não se distrair é um ato político. Um gesto de rebelião contra o imposto e o automático. Fazer política é ser quem se é — e defender isso. É o que políticos fazem, por valores ou interesses. Por isso política importa.


Não apenas pelo viés de eleição, porque quem for eleito vai defender o que acredita. Mas por que nossas escolhas – todas elas – dizem alguma coisa. O que compramos e onde, o que vestimos e por quê. Onde vamos pra fazer o que e como chegamos lá. Nosso modo de dizer o que importa pro mercado, pra quem está olhando, pras crianças, pra nós mesmos não esquecermos quem somos no meio da correria.


Ideas and products and messages and behaviors spread just like viruses do. — Malcolm Gladwell, The Tipping Point: How Little Things Can Make a Big Difference

Sem atos políticos, grandes e pequenos, ideias semeadas aqui e ali, não teríamos os direitos que temos, mesmo que imperfeitos, e justamente por ainda haver muito caminho pela frente, não podemos nos distrair.


É assim que algumas mudanças se espalham: por atos pequenos, replicáveis, quase invisíveis. Não precisamos nem sair de casa pra escrever essa utopia. Ela começa na cama, na mesa, na arquitetura, no jardim, no prato, em toda parte. Atos inconscientes.

O que comemos vem de onde? É fruto de trabalho justo? O que usamos — no corpo ou na casa — vai pra onde depois? Vai parar num aterro por 400 anos, como aquela cortina blackout?


Bactérias que comem plástico até existem – algumas encontradas na natureza e outras geneticamente modificadas, mas elas não tem fome pra todo esse lixo nem sabemos as implicações para os ecossistemas.


Pergunto sentindo um aperto no peito, não porque conheça o caminho, mas porque quero descobri-lo. Quem construiu a casa? Feita de quê? Pra durar quanto tempo? Quem vai usá-la, com autonomia e segurança? Rampas e portas adequadas são mais que convites gentis, são prova de respeito. Como ela interage com o que está ao redor, flora, fauna, microclima, humanos ao redor, a cidade?


✽ A sua casa se conecta com o que você acredita?

✽ Se alguém olhar pra ela, vai reconhecer você?


Porque uma casa é primariamente um abrigo, mas sabemos que no final não é só isso, assim como roupa não é só proteção da pele.


Residência Beyond-the-family Kin / Ignacio G. Galán + OF Architects
Residência Beyond-the-family Kin / Ignacio G. Galán + OF Architects

Se você assiste noticiário, talvez tenha ouvido falar em inclusão, acessibilidade, sustentabilidade. Termos que ganharam força nos últimos anos. E que aparecem frequentemente relacionados a esfera pública, mas que precisam ganhar importância em espaços domésticos — não só onde há pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, mas como princípio de projeto. Casas acessíveis, mobiliário que traga autonomia, materiais construtivos de pegada reduzida de carbono, construção eficiente e flexível, redução e reciclagem de lixo pensadas no design, climatização passiva, isso pra citar meia dúzia dos mais simples exemplos. Nada disso é antagônico a beleza, funcionalidade ou bom design.


Antes que me taquem pedras, pela minha experiência, custo costuma ser objeção não de quem tem orçamento limitado, mas de quem buscar seguir um padrão estético globalizado e tendências em sites não especializados. Com a mente aberta dá pra alcançar soluções excelentes e nunca vistas por olho nenhum que a terra já tenha comido.


Li em algum lugar um decorador dizendo que na nossa casa devemos ter sempre algo que comece uma conversa. Que chame a atenção de quem recebemos e abra espaço pra dialogo, pro gosto por receber e entreter as pessoas e por espelhar aquilo em que acreditamos.


Se cada casa expressa quem somos, então podemos unir as duas coisas: gerar conversas ao escrever um manifesto político, sem dizer uma palavra pra puxar assunto.

Podemos resistir ao padrão importado tendo plantas nativas e sabendo o nome delas. Servir comida de verdade em pratos feitos por nós. Construir com terra — taipa de mão, pilão, cob, adobe. Criar um potinho de barro do quintal, crochetar um tapete de algodão orgânico ou de retalhos. Deixar a luz entrar, pendurar nossa própria arte, manter os muros baixos e olhar pelos vizinhos.


Imagem de inspiração
Imagem de inspiração

Por sermos tão distraídos e ocupados facilmente, hoje eu digo que devemos ser também audaciosos em todo bem que tentamos fazer, em toda mudança que tentamos provocar. Mesmo que só ou ainda em nós mesmos.


Porque, no fim, talvez não seja sobre escolher sempre certo — mas reconhecer as fases. Fases em que conseguimos fazer o máximo de escolhas boas, e outras em que não temos tanto sucesso assim.


Em as coisas que você só vê quando desacelera, no capítulo 7, intitulado ‘futuro’, Haemin Sunim relata a história da profecia da iluminação, na qual buda informava aos discípulos o momento em que se tornariam budas. Ao ouvir a profecia eles sentiam esperança e faziam o voto de continuar.


Bem, estou longe de ser buda ou profeta, mas deixo aqui uma palavra de esperança e incentivo, já que está ao meu alcance, pra nos lembrar dessa história. Uma afirmação positiva. E sim tem poder, talvez algum mágico do universo, mas definitivamente o poder de que aquilo em que acreditamos guia os nossos passos.


✽ Repita sempre que precisar: Cuido cada dia melhor do meio ambiente e das pessoas. Faço isso com intenção gentil, criatividade e esperança de provocar mudanças reais.

 
 

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