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Arquitetura e saúde periféricas

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    Suellen CS
  • 4 de jul.
  • 7 min de leitura

"Direitos humanos” é um termo que pode parecer confuso, nada óbvio, já que abrange tantas dimensões da vida. Vai além de classe social ou localização. Inclui, entre outras coisas, moradia adequada, saneamento, saúde e um meio ambiente equilibrado (ONU, 1948; BRASIL, 1988). Embora sejam direitos básicos, milhões de pessoas vivem sem eles, especialmente nos centros urbanos.


No mundo todo, populações mais pobres e racializadas sofrem mais com os impactos da degradação ambiental e têm menor acesso a recursos. A crise climática atinge desproporcionalmente as periferias, onde há menos áreas verdes, maior exposição a inundações, calor extremo e poluição. Esse fenômeno é conhecido como racismo ambiental (Bullard, 2005).


No Brasil, a realidade não é diferente: milhões de brasileiros, especialmente negros e pardos, vivem em moradias precárias, sem coleta de esgoto ou água tratada (IBGE, 2022). Além disso, a poluição agrava os casos de doenças respiratórias e cardiovasculares, como asma e hipertensão (BRASIL, 2021).


Esses desafios de infraestrutura não se limitam apenas às condições de moradia, mas também afetam a mobilidade e o acesso a serviços essenciais. A periferização — processo que afasta moradores da infraestrutura urbana — dificulta o acesso a serviços como saneamento, transporte, saúde e centros de trabalho. Isso obriga deslocamentos longos, que aumentam a emissão de poluentes e tiram tempo livre dos trabalhadores (IBGE, 2022; CETESB, 2023).


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Além da escassez de serviços urbanos, a própria estrutura das moradias nas periferias contribui para a marginalização das populações. Nas periferias brasileiras, o padrão habitacional predominante é de unidades habitacionais unifamiliares (UHs) com cerca de 50 m² (BRASIL, 2015), ou menos da metade em favelas, onde, por exemplo, 21,5% das moradias em áreas de UPPs no Rio de Janeiro têm menos de 20 m² (DAFLON, 2011). Para se ter uma ideia do disparate, em Portugal uma UH deve ter, no mínimo, 38 m² básicos, acrescidos de 10 m² para cada pessoa que ela habite. Uma casa para duas pessoas precisaria ter uma área mínima de 58 m². Em UHs tão pequenas é improvável que se tenha uma casa saudável. Sem contar que por todo o país, são construídas casas e prédios idênticos, porém, para se ter um ambiente confortável e saudável, é necessário adaptar os projetos e materiais construtivos à cultura, clima, topografia e meio urbano local.


Não são apenas os edifícios que adoecem — os quintais também. Grande parte das moradias brasileiras tem quintais (IBGE, 2022) — espaços negligenciados em políticas públicas, mas com imenso potencial de regeneração ambiental e promoção de saúde. Porém, quando falamos em meio ambiente, muita gente pensa em florestas ou grandes parques urbanos. Mas o quintal também é meio ambiente — e também é cultura.


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Muitos deles enfrentam problemas como esgoto mal tratado, desrespeito à taxa de ocupação e de permeabilidade do solo, e ainda com implantação inadequada do imóvel que prejudica ventilação e insolação, favorecendo mofo e umidade nos interiores. Muitos são concretados, impedindo a recarga do lençol freático, agravando enchentes e sofrendo com a ausência de vegetação. Árvores que poderiam filtrar poeira e ruído são evitadas por medo de queda ou falta de espaço. Faltam plantas alimentícias, desperdiçando a chance de melhorar a nutrição familiar. Falta arborização urbana, falta agricultura urbana, falta comida de verdade.


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Tudo isso escancara mais um direito negligenciado: o acesso à arquitetura. O acesso a arquitetos e urbanistas ainda é um direito pouco praticado — mesmo sendo garantido desde 2008 com a criação da Lei nº 11.888, de 24 de dezembro de 2008, que institui a Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social.


Projetar com salubridade é um ato político e uma estratégia de saúde pública preventiva. Ignorar clima, flora, fauna e cultura locais intensifica os problemas ambientais e sociais. A arquitetura precisa dialogar com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente os de saúde, saneamento, cidades sustentáveis e clima (ONU, 2015):

  • ODS 3 – Saúde e bem-estar;

  • ODS 6 – Água potável e saneamento;

  • ODS 11 – Cidades e comunidades sustentáveis;

  • ODS 13 – Ação contra a mudança global do clima.


A questão da salubridade, é importante porque passamos mais de 90% do tempo em ambientes construídos (OMS, 2023), e nas periferias, isso inclui crianças, idosos e cuidadores — os mais vulneráveis. Eles vivem em ambientes insalubres, onde se somam poluição sonora, visual e do ar, insegurança, superlotação e estresse fora de casa. E mofo, má ventilação e iluminação dentro de casa. Isso gera doenças como:


  • DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica)

  • asma

  • câncer de pulmão

  • hipertensão

  • doenças cardiovasculares (BRASIL, 2021; OMS, 2025)


Nossas cidades cresceram sem planejamento, prejudicando o bem-estar coletivo. Mas é possível mudar. Moradia digna não é luxo — é um direito humano. A arquitetura é uma aliada na construção de cidades mais saudáveis e justas.


É preciso combater a ideia de que viver em condições precárias é normal. Quem tem acesso à natureza, ao conforto, à salubridade? Quem tem acesso à cidade? Não basta construir casas. É preciso garantir saúde e dignidade dentro e fora delas. Todos precisam ter acesso à saude, à cidade, natureza e moradia digna e eles não existem dissociados. Arborização abrangente, e especialmente com árvores com mais de 10 m de altura, (Scanavaca Júnior; Corrêa, 2020) é um meio de alcançar benefícios em todas essas áreas com custo reduzido, especialmente quando comparado ao gasto público com tratamento de doenças relacionadas a poluições.


Já ouvi argumentos contra arborização por ser estética, e sim, ela é também — e direito ao belo faz parte da dignidade, que é um direito humano —, mas vai muito além. Significa resiliência urbana. Traz salubridade, bem-estar, previne doenças, ameniza ilhas de calor, reduz a poluição do ar ao filtrar poluentes atmosféricos e partículas em suspensão, além de produzir oxigênio. Reduz também a poluição sonora, atuando como barreira acústica ao absorver e dissipar ondas sonoras provenientes do tráfego e de atividades urbanas, melhorando o conforto. E contribui visualmente ao suavizar a paisagem artificial.


Além disso, ao considerar a arborização urbana, é fundamental optar por espécies nativas, que, por sua adaptação ao clima, exigem menos manutenção, menos cuidados e menos regas após o período inicial. São mais resistentes a pragas e doenças e ainda favorecem a fauna local, oferecendo abrigo e alimento para humanos e animais. Um exemplo bem-sucedido é o das florestas de bolso implementadas em São Paulo (Cardim, 2022).


Floresta de Bolso em várzeas do rio Pinheiros —  Cardim paisagismo
Floresta de Bolso em várzeas do rio Pinheiros Cardim paisagismo

Em cidades grandes como São Paulo, ou em cidades interioranas, a arborização urbana pode se valer muito do comprometimento dos moradores — especialmente quando há espaço disponível no lote. Como referência, uma família de quatro pessoas precisaria de cerca de 60 m² de vegetação em seu quintal para contribuir com a qualidade ambiental (SBAU, 2020), com base no cálculo do Índice de Área Verde (IAV). Outra diretriz relevante é da OMS, que recomenda o acesso às áreas verdes públicas a no máximo 300 metros da residência de casa, o que sabemos que não é a realidade em muitos bairros. Ou seja: quando o poder público e a população atuam juntos, fica mais viável alcançar padrões sustentáveis de bem-estar nas cidades.


Para que esse modelo seja eficaz, precisamos de políticas públicas intersetoriais — saúde, urbanismo, transporte, meio ambiente — que se enxerguem como parte de um todo. Entre as estratégias possíveis estão:


  • Criação de florestas de bolso;

  • Arborização urbana e de quintais com espécies nativas, incluindo frutíferas para humanos e fauna;

  • Agricultura urbana com hortas sociais;

  • Incentivos fiscais e campanhas educativas voltadas à arborização nativa de lotes particulares;

  • Código de obras com maior exigência em relação ao plantio de árvores nativas nos lotes;

  • Maior cobrança quanto à eficácia do Plano Diretor de Florestas Urbanas.


Enquanto arquitetura, urbanismo, saúde e meio ambiente forem tratados separadamente e como questão política — e não como políticas públicas sérias e justas —, ignorando quem não está nos mapas, a cidade continuará produzindo doenças em vez de espaços de cura.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 3 maio 2025.

BRASIL. Lei nº 11.888, de 24 de dezembro de 2008. Assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 25 dez. 2008.

BRASIL. Ministério da Saúde. Impactos da poluição na saúde da população brasileira. Brasília, 2021.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Sustentabilidade urbana: impactos do desenvolvimento econômico e suas consequências sobre o processo de urbanização em países emergentes: textos para as discussões da Rio+20: volume 3 habitação social e sustentabilidade / Tarcisio Nunes..., [et al.]. Organizadores. Brasília: MMA, 2015. 270 p. ISBN 978-85-7738-254-5.

BULLARD, Robert. Racismo ambiental. Revista Eco 21, Rio de Janeiro, ano XV, n. 98, jan. 2005. Disponível em: https://ambientes.ambientebrasil.com.br/educacao/textos_educativos/etica_e_racismo_ambiental.html. Acesso em: abr. 2025.

CARDIM, Ricardo Henrique – Paisagismo sustentável para o Brasil: Integrando atureza e humanidade no século XXI / São Paulo: Olhares , 2022.

CARDIM Paisagismo – Floresta de Bolso. Disponível em: https://www.cardimpaisagismo.com.br/floresta-de-bolso/ Acesso em: 05 jul. 2025.

CETESB – COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. Qualidade do ar no Estado de São Paulo. São Paulo, 2022.

DAFLON, Rogério. Moradias em áreas de UPPs têm menos de 20 metros quadrados. O Globo, Rio de Janeiro, 13 jan. 2011. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/moradias-em-areas-de-upps-tem-menos-de-20-metros-quadrados-3437606. Acesso em: abr. 2025.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Organização das Nações Unidas, 1948. Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf. Acesso em: 02 mai. 2025.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Censo demográfico 2022: características gerais dos domicílios e dos moradores. Rio de Janeiro, 2022.

NORMA BRASILEIRA NBR 15575. Edificações habitacionais – Desempenho. Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, 2013.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS. Air pollution. Disponível em: https://www.who.int. Acesso em: 02 mai. 2025.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS. Tempo em ambientes construídos. [s.l.]: OMS, [s.d.].

ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: https://www.un.org/pt/universal-declaration-human-rights/. Acesso em: 3 maio 2025.

ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Transformando nosso mundo: a agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. Brasília: IPEA, 2015. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/91863-agenda-2030-para-o-desenvolvimento-sustentavel. Acesso em: 02 maio 2025.

SAMORA, Patricia Rodrigues. Proyecto de vivienda en favelas: especificidades y parámetros de calidad / Patricia R. Samora; traducción: Flavio Coddou. México: Infonavit: Universidad Autónoma del Estado de México, Facultad de Ciencias Políticas y Sociales, 2011. 304 p. (Investigación sobre vivienda en Iberoamérica; 4). ISBN 978-607-95640-8-7.

SCANAVACA JÚNIOR, Laerte; CORRÊA, Rony Felipe Marcelino. Urban forestry in Mogi Guaçu, São Paulo State, Brazil. Brazilian Journal of Agriculture, [S.l.], v. 95, n. 3, p. 175–190, 2020. DOI: https://doi.org/10.37856/bja.v95i3.4245.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE ARBORIZAÇÃO URBANA. Diretrizes para a arborização urbana no Brasil. Brasília: SBAU, 2020.

UNITED NATIONS – ONU. Agenda 2030: Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em: 02 mai. 2025.



 
 

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